terça-feira, 29 de abril de 2008

Golden Showers


Soneto 237 Insubordinado

Açúcar, óleo e sal não vá comendo!
Reduza! Vote! Pague! Não se atrase!
Não fale palavrão! Não erre a crase!
Assine! Ligue já! Venha correndo!

Aos médicos meu gosto nunca prendo.
Não chego a ser do contra, mas sou quase.
Coloco algo vulgar em cada frase.
Ao preço do comércio não me vendo.

A desobediência é uma ciência,
mistura de coragem e de medo:
exige livre arbítrio e paciência.

Às vezes é melhor fingir que cedo.
Mas trepo mesmo em fase de impotência,
e, quando a foda é longa, gozo cedo.

Glauco Mattoso

Estupor

esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer

esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir

esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir

Paulo Leminski

Poeminha de Morte

quando eu me for,
será que irei
sem ter sido?

tal qual
um caco de vidro
do copo partido
na loja de enfeites.

Raphael Negrão

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Skrik (O Grito)


A Alegria

O sofrimento não tem
nenhum valor.
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.

Ferreira Gullar

Summer Breeze


Brisa

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.

Manuel Bandeira

sexta-feira, 11 de abril de 2008

quinta-feira, 10 de abril de 2008

As Belas Meninas Pardas

As belas meninas pardas
são belas como as demais.
Iguais por serem meninas,
pardas por serem iguais.

Olham com olhos no chão.
Falam com falas macias.
Não são alegres nem tristes.
São apenas como são
todos os dias.

E as belas meninas pardas,
estudam muito, muitos anos.
Só estudam muito. Mais nada.
Que o resto, trás desenganos...

Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.

Nos passeios de domingo,
andam sempre bem trabajadas.
Direitinhas. Aprumadas.
Não conhecem o sabor que tem uma gargalhada
(Parecem mal rir na rua!...)

E nunca viram a lua,
debruçada sobre o rio,
às duas da madrugada.

Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.

E desejam, sobretudo, um casamento decente...

O mais, são histórias perdidas...
Pois que importam outras vidas?...
outras raças?..., outros mundos?...
que importam outras meninas,
felizes, ou desgraçadas?!...

As belas meninas pardas,
dão boas mães de família,
e merecem ser estimadas...

Alda Lara

Monastério de Sumela, Trebizonda (Turquia), 2007




A Rua Dos Cataventos - V

Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente...
E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda a gente,

Nem é deste Planeta... Por sinal
Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu Anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal...

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,
Vivo regendo estranhas contradanças
No meu vago País de Trebizonda...

Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,
É lá que eu canto, numa eterna ronda,
Nossos comuns desejos e esperanças!...

Mário Quintana

sábado, 5 de abril de 2008

O Amor

Talvez, quem sabe, um dia
Por uma alameda do zoológico ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa

Ela é tão bonita
Ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão
O século trinta vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias

Agora vamos alcançar
Tudo o que não podemos amar na vida
Com o estrelar das noites inumeráveis

Ressuscita-me ainda que mais não seja
Porque sou poeta e ansiava o futuro
Ressuscita-me lutando contra as misérias
Do quotidiano ressuscita-me por isso
Ressuscita-me quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida para que não mais existam amores servis

Ressuscita-me para que ninguém mais tenha
Que sacrificar-se por uma casa ou um buraco
Ressuscita-me para que a partir de hoje, a partir de hoje
A família se transforme e o pai seja pelo menos o universo
E a mãe seja no mínimo a Terra
A Terra
A Terra

Caetano Veloso/Ney Costa Santos/Vladimir Maiakovski

Para meu pai e Mari.